Thomas Merton e a América Latina

— Por Telva Barros —

Conheço a obra de Thomas Merton desde minha juventude quando, entre os livros deixados por minha mãe, encontrei A Montanha dos Sete Patamares em sua pequena biblioteca. Desde então, ele tem sido meu fiel companheiro norteando minha peregrinação.

Faço parte, desde sua criação, do GETM – Grupo de Estudos de Thomas Merton – e escolhi para me aprofundar, dentre os inúmeros temas abordados por Merton, o tópico América Latina, dado o meu grande interesse pelas serias questões sociais que marcam nossa região.

Tomei conhecimento da obra de Dra. Malgorzata Poks, da Universidade da Silésia em Katowice, na Polônia e descobri que ela havia escrito um interessante livro: Thomas Merton and Latin America: a Consonance of Voices, 2007, baseado na sua tese de Doutorado.

Tomada de coragem e curiosidade contatei Dra. Poks, e confessei a minha profunda surpresa em descobrir o excelente trabalho acadêmico que ela tem feito sobre Thomas Merton, vivendo num pais tão longe do circuito latino americano. Contei sobre o Grupo de Estudos Thomas Merton, sobre o meu interesse no tema da América Latina e minha busca de informações preliminares sobre a forte relação de Merton com a região, iniciada com sua viagem a Cuba, seguida da sua fecunda amizade com Cardenal e com inúmeros acadêmicos, religiosos, escritores e intelectuais.tmla

Li dois artigos da Dra. Poks publicados no The Merton Annual: The meeting of strangers: Thomas Merton Engagement’s with Latin America (volume 20-2007) e Reading Merton from the (Polish) Margin: 2004 Bibliographic Survey (volume 18-2005).

Dra. Poks recentemente enviou-me um exemplar de seu livro mencionado acima que será comentado em outros artigos que postarei aqui em nosso blog.

Nessa breve entrevista vamos tomar um primeiro contato com Dra. Poks e conhecer sua rica vivência mertoniana.

1-  Quando e como foi seu primeiro contato com a vida e obra de Thomas Merton?

Dra Poks: Em primeiro lugar gostaria de dizer como estou encantada em ouvir que meu livro foi “descoberto” por aficionados de Thomas Merton no Brasil. Saber do interesse do Grupo de Leitura em lê-lo e discuti-lo foi muito emocionante. Agradeço muito a você, Telva.

Sobre meu primeiro contato com Thomas Merton é difícil apontar o exato momento.

Eu já sabia da sua existência por muito tempo, pois ele era um ponto de referência muito importante para os católicos poloneses interessados em aprofundar sua espiritualidade e vida intelectual sob o regime comunista quando a religião oferecia uma alternativa às mentiras e tristeza do sistema.

O que me atraiu, e a muitos de meus contemporâneos, para Merton foi sua intransigente procura pela verdade e o verdadeiro eu, além da beleza da sua linguagem. Aquele cara sabia como escrever!

Como era de se esperar, A Montanha dos Sete Patamares foi uma grande revelação e permaneceu como um guia espiritual por um longo tempo para mim. Então por volta dos meus 28 anos, meu namorado me presenteou com um pequeno volume de poemas de Merton, em Polonês, e eu descobri a poesia do silencio de Merton.

Especialmente dois poemas, “In Silence” (Em silencio) e “Elias — Variations on a Theme,”(Elias-Variações sobre um tema) tiveram uma impressão duradoura em mim.

Foi quando eu comecei a partilhar meu entusiasmo pela poesia de Merton através da minha escrita. Primeiro foram textos acadêmicos e artigos e, finalmente minha dissertação de doutorado. E, desde então a sua conexão latino-americana – seus contatos com escritores, intelectuais ao sul da fronteira dos Estados Unidos, seu interesse na política da América Latina, e suas traduções do Espanhol e do Português, – era uma área sub-explorada e eu mergulhei nesses temas. Escrever o livro foi uma experiencia surpreendente!

2- De todos os livros de Thomas Merton, além da Montanha dos Sete Patamares, qual você recomenda e porquê?

Dra. Poks: Bem, eu acho que a maioria de nós começa com esse clássico. Depois, quando começamos a conhecer Merton mais intimamente, parecemos crescer espiritualmente e amadurecemos com ele.

Com a passagem do tempo muitos leitores de Merton tendem a descobrir falhas no livro “A Montanha dos Sete Patamares”. Ele é definitivamente um livro muito bem escrito, profundo e autentico, mas Merton rapidamente o superou; ele seguiu em frente, avançando no seu desenvolvimento espiritual. Eu diria que agora prefiro seus últimos trabalhos, livros escritos quando sua espiritualidade era solida o suficiente para abraçar a ambiguidade. Seus diários dos anos 50 e 60 são um tesouro escondido: Turning Toward the World, Dancing in the Water of Life e The Other Side of the Mountain. Mas o meu favorito é provavelmente Learning to Love, o diário que documenta a angústia de Merton sobre a impossibilidade de reconciliar sua vocação à vida monástica e solidão de um lado, e seu amor por uma mulher conhecida por M., por outro lado. O livro é cheio de paixão, escrito em sangue, à beira do inferno, que curiosamente torna-se à beira do céu, também. Você vê, que o grande lance é que ele transcende os opostos. Em sua escrita mais autentica ele vai além dos binários. Como ele mesmo admitiu, seus diários estão entre seus escritos mais autênticos – junto com a poesia. Então voltando a sua questão eu recomendaria os diários e as poesias. Mas não a poesia acadêmica que ele escreveu em imitação ao chamado novo verso crítico (denso, baseado em elaboradas, extensas metáforas e intelectualmente exigente). Minha escolha seria o que George Woodcock chamou de poesia do deserto – escassa, quieta, poemas meditativos. Para os leitores mais interessados em prosa, especialmente o envolvimento profético de Merton com as questões sociais do seu tempo, eu definitivamente recomendaria Passion for Peace, uma coleção de ensaios publicados postumamente ou Faith and Violence (ensaios relacionados a tópicos de paz).

Então, eu gosto muito dos livros: News Seeds of Contemplation, Raids on the Unspeakable, Sources of Contemplation… Acho melhor eu parar por aqui antes que eu recomende metade da sua volumosa obra. Há simplesmente tantas coisas grandiosas, importantes e atemporais que Merton escreveu.

3- Como está a situação atual da Sociedade Polonesa Thomas Merton criada em 2002? Ainda está viva? Quais são suas principais atividades? Como contei para você, no Brasil temos treze grupos de leitura partilhada e nossa sociedade nacional (Sociedade dos Amigos Fraternos de Thomas Merton) foi criada em 1996.

Dra. Poks: Vocês têm sorte em ter tantas atividades ligadas a Merton no Brasil. Tristemente, após o entusiasmo inicial do lançamento da Sociedade Polonesa Merton e alguns encontros não oficiais do Conselho, a ideia geral desmoronou. As pessoas envolvidas no projeto tinham outros compromissos e havia problemas com o status legal da Sociedade. Bem, a verdade é que a Sociedade Polonesa é inexistente há mais de dez anos. Isto me coloca numa situação incomoda como Conselheira Internacional da Sociedade Internacional Thomas Merton (ITMS) representando uma Sociedade Polonesa inexistente.

4- No seu artigo: The meeting of Strangers: Thomas Merton‘s Engagement with Latin America, seu foco é primeiramente a América Hispânica “a outra América” (Nicarágua, México, Cuba, Costa Rica, Venezuela, Argentina, Peru, Chile, Uruguai e Colômbia). Como eu ainda não li seu livro: Thomas Merton and Latin América, eu pergunto se o Brasil, um pais de língua Portuguesa, está incluído ou não na sua análise.

Dra. Poks: O Brasil era muito querido por Merton e ele foi feliz por contar com excelentes tradutores da sua obra no Brasil: Irmã Emmanuel de Souza e Silva, Alceu Amoroso Lima e Carmén de Melo. Além disso, Merton amava a língua Portuguesa. No meu livro tem um capítulo sobre o Brasil. O título é: “Franciscan Love of Life and Respect for All Living Things: Thomas Merton and Carlos Drummond de Andrade.” (O amor franciscano pela vida e respeito por todas as coisas vivas: Thomas Merton e Carlos Drummond de Andrade). É um texto bem curto pois Merton traduziu somente dois poemas de Carlos Drummond de Andrade. Naquela época ele estava interessado na Teologia da Libertação (primordialmente através de Ernesto Cardenal) e correspondeu brevemente com Dom Helder Câmara.

*   *   *   *

E… assim termina essa breve entrevista. Dra. Poks envia sinceras recomendações ao Grupo de Estudos.

Voltaremos ao tema nos próximos meses.

*   *   *   *

TelvaTelva Barros — é Católica, graduada em Sociologia pela USP, com especialização em Saúde Pública. Profissional da área de Ciências Sociais, com mais de 25 anos de experiência em políticas públicas em saúde, desenvolvimento e cooperação internacional. Atuou, por 10 anos em Brasília, Moçambique e Cidade do Panamá, como funcionária do Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/AIDS-UNAIDS/ONUSIDA. Larga experiência na coordenação, negociação, implementação e monitoramento de projetos de cooperação internacional, envolvendo organizações internacionais (bi e multilaterais), governos, sociedade civil e setor privado. É Conselheira Internacional da Sociedade Internacional Thomas Merton (ITMS) desde 2015.

Deixe um comentário